Projeto

"A ribeira a gostar dela própria"  

O Projecto A Ribeira a Gostar Dela Própria pretendeu iniciar um processo de reversão dos 50 anos de progressivo abandono a que a Ribeira de São Domingos foi devotada. Decorrendo entre Setembro e Dezembro de 2018, este Projecto foi financiado pelo Fundo Ambiental e desenvolvido por uma plataforma alargada de 11 parceiros


O Projeto

A presença humana no Vale de São Domingos perde-se nos tempos, mas moldou-se sempre ao território, sem o destruir. Em apenas 5km de extensão, a Ribeira de São Domingos apresenta uma variação de cota de 1000m. Esta descida abrupta em altitude, conjugada com a diferença em exposição solar em ambas as vertentes de um vale encaixado, e a variabilidade de usos do solo presentes e passados, tudo se conjuga para criar um grande número de habitats que alberga uma quantidade de espécies invulgarmente elevada. Entrando este Vale por um tecido urbano com cerca de 30 mil habitantes, constitui-se enquanto corredor verde natural. Ultimamente, porém, a Ribeira de São Domingos foi-se tornando transparente aos olhos das centenas de residentes que todos os dias cruzam sobre ela, mas que dela deixaram de depender diretamente. Foi este o status quo que o presente Projecto revolucionou.

O valor dos sistemas natural, pastoril, agrícola e florestal afere-se não só pela riqueza que geram, mas também pelas suas funções sociais e culturais, ecológicas e de sustentabilidade: o Projeto visou caracterizar a Ribeira, resgatou e valorizou memórias de conhecimento tradicional e do uso partilhado dos recursos, promoveu o seu conhecimento entre as novas gerações e junto da população urbana, valorizou a diversidade da paisagem (nomeadamente o uso agrícola em terraços sustentados por muros de pedra solta), estimulou a agroecologia, promoveu o controlo de invasoras, iniciou um processo de responsabilização dos proprietários pela gestão da paisagem, e criou as bases para atrair novos públicos para a fruição do Vale de São Domingos. A proposta abordou a educação ambiental de uma forma transversal, aberta e participada, fomentando a criação de parcerias - nomeadamente entre agentes de desenvolvimento local, a comunidade escolar, produtores agrícolas e florestais, grupos dedicados à conservação dos recursos naturais - como forma de promover a preservação da Ribeira, sensibilizando e capacitando para uma mudança de comportamentos, potenciando, no fundo, uma nova literacia ambiental de proximidade no contexto da comunidade.

Valorizando o território e promovendo a coesão social, este Projecto contribuiu para a prossecução dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 apoiando e fortalecendo a participação das comunidades locais na melhoria da gestão de uma linha de água.


Permissas


O Projecto partiu de três premissas:
i. O ordenamento do território deve ser feito segundo unidades biogeográficas, sendo uma bacia hidrográfica uma unidade ideal;
ii. A subjugação de limites administrativos a limites naturais obriga a uma colaboração estreita entre parceiros que operem a diferentes níveis e que precisam investir em encontrar compromissos para actuação conjunta;
iii. A optimização e conservação de recursos naturais (incluindo a água e as florestas) implicam novos olhares sobre o uso do solo e o território, os quais implicam uma co-criação entre entidades com diferentes especializações (e diferentes agendas que momentaneamente se têm que cruzar).

Objetivo

Resgatar a geografia invisível da Ribeira de São Domingos.

Objetivos Específicos
  1. Valorizar o património imaterial armazenado na memória dos moradores mais antigos e criar uma narrativa para as gerações mais novas;
  2. Caracterizar a biodiversidade do Vale de São Domingos e identificar oportunidades e ameaças à sua conservação;
  3. Mobilizar a comunidade para transformar o Vale de São Domingos num espaço educador;
  4. Mobilizar proprietários com vista a futuramente produzir um plano de gestão integrada do território com soluções de uso inovadoras que atraiam novos residentes;
  5. Criar uma plataforma de parceiros diversificados com capacidade para intervir no Vale de São Domingos.

O Projecto A Ribeira A gostar Dela Própria provou que num espaço curto de tempo é possível convocar a sociedade para a urgência de mudar o actual paradigma civilizacional e de alterar os comportamentos de modo a atingir uma maior e melhor consciência ambiental. Foram lançadas as bases de uma abordagem sistémica, assente numa lógica de participação e de uma coresponsabilização na ação de base territorial.

Valorizar o Território foi escolhido como eixo estruturante do Projecto, através da (i) proposta de recuperação do Vale enquanto abastecedor dos mercados locais, com a produção de alimentos saudáveis e produzidos de modo sustentável, (ii) recuperação de práticas tradicionais de partilha de recursos como a água e maquinaria, e concomitante introdução de práticas agrícolas que facilitem a vida do agricultor, como a construção de estufas ou a rega gota-a-gota; (iii) a conservação de recursos, nomeadamente o solo, durante práticas agrícolas e florestais; (iv) a promoção de economias de proximidade que tirem partido da diversidade do território típico de montanha.

Cuidou-se ainda da descarbonização, nomeadamente abordando a economia colaborativa e o consumo responsável. A aquisição de painéis de sinalização teve em conta a incorporação de material reciclado e não-toxicidade de tintas de impressão; no almoço oferecido no final da 1ª Caminhada pelo Vale de São Domingos foram usados produtos de origem biológica e produção local; foi feita uma sensibilização para o consumo informado e sustentável e a importância dos mercados de proximidade; a instalação artística sonora usou material reciclado. O Projecto desafiou ainda a comunidade a desenvolver junto à Ribeira espaços de uso múltiplo conciliado com os valores naturais, numa perspectiva experimental que possa ir integrando contribuições da comunidade, ajustando a resposta de acordo com o sucesso das iniciativas.

O inquérito realizado no âmbito do Projecto forneceu um panorama inicial (500 respondentes do concelho da Covilhã) em que apenas 27% dos inquiridos conhecia a Ribeira de São Domingos; no final do Projecto (500 novos respondentes) esta percentagem subiu para 39%. Procurou-se saber, com este questionário, que cenário mais atraía os cidadãos: quer no inquérito inicial, quer no final, a visão preferida foi claramente a de poder usufruir da Ribeira para lazer (percursos, turismo de natureza), ficando logo em segundo lugar a recuperação do Vale para produção agrícola de qualidade, subentendido, dada a pequena dimensão e diversificação das parcelas, um mercado de proximidade. Na sessão pública organizada no âmbito do Projecto para debater o futuro do Vale de São Domingos, os pontos propostos a discussão pelos participantes coincidiram com os do inquérito geral à população.