Dinâmicas de
Paisagem

Na ribeira de São Domingos, Covilhã, Portugal 

Perde-se no tempo a primeira vez que pastores terão percorrido o Vale de São Domingos, mas a permanência humana neste território está muito provavelmente associada à exploração agrícola, como o atesta o lagar rupestre encontrado nas suas margens.

Lagar rupestre




A Evolução

Mais recente será o moinho localizado um pouco a jusante do lagar, em funcionamento até ao início do séc. XX.

Ainda com o moinho em funcionamento surgiu a primeira fábrica de lanifícios, ainda no séc. XIX. Uma outra se lhe seguiria, ambas paradas desde os anos 1960.

Fábrica Fazenda.

À semelhança de várias outras ribeiras da Serra da Estrela, também a de São Domingos foi importante para garantir a sustentabilidade de muitas famílias com a sobreposição de vários usos, nomeadamente a irrigação das culturas agrícolas e a energia para fazer mover os engenhos que accionavam as fábricas de lanifícios da região.
Porém, também entre as fábricas de lanifícios havia grande diversidade e especialização: felizmente, a redução do caudal da Ribeira de São Domingos no verão não permitiu a instalação de tinturarias, evitando-se o grau extremo de poluição que se verificou nas outras ribeiras da Grande Covilhã, a qual teve como consequência uma total destruição da biodiversidade original. Já na altura tal era entendido e explica porque havia tantas lavadeiras na Ribeira de São Domingos, servindo a população urbana da Covilhã apesar desta cidade ser atravessada por duas ribeiras com caudal muito superior. Estas lavadeiras partilhavam os poços da ribeira com os jovens das redondezas e mesmo da Covilhã que no verão os procuravam para banhar-se; hoje em dia resumida ao período estival e a um número reduzido de lavadeiras para uso doméstico, esta partilha continua a verificar-se.
Também o uso agrícola se reduziu substancialmente, de que resultou o assilvestramento progressivo do Vale.



Evoluçao da paisagem junto à Ponte de São Domingos nos últimos 50 anos.



Há porém sinais de alguma recuperação, com uma quinta a funcionar depois de décadas abandonada e interesse manifestado de outros potenciais novos agricultores em também se estabelecerem. A opção parece ser a permacultura, ou pelo menos agricultura sem aditivos de síntese, o que poderá garantir a qualidade dos produtos produzidos com a marca Vale de São Domingos.

Mercado de proximidade.

A criação das explorações agrícolas teve certamente um impacto na paisagem, mas este impacto não é negativo, pois muito lento no tempo e sujeito a uma grande adaptação do génio humano ao meio natural. Foi a agricultura de montanha tradicional que permitiu a fixação da população, o combate à erosão, e o enriquecimento da fertilidade de solos naturalmente pobres. A partir dos 800m a agricultura foi sempre residual, e a floresta deveria representar o coberto principal, protegendo as nascentes. Contudo, em terras tradicionalmente de pastorícia, grandes rebanhos de cabras e ovelhas foram impedindo a regeneração e mantendo a vegetação nos estratos herbáceo e arbustivo.
Em 1915 o Estado realiza as primeiras arborizações na Aldeia do Carvalho, na sequência de planos nacionais de combate à erosão em zonas de montanha, iniciados no final do séc. XIX. Seguem-se os planos de arborização dos Baldios (terrenos comunitários), que na então Aldeia do Carvalho datam de 1965 e incluem o plantio de uma variedade muito significativa de espécies, visando justamente a protecção das linhas de água. Esta proteção é essencial para a preservação da Ribeira de São Domingos. Pela Figura seguinte se percebe como “a nascente” é realmente uma espécie de delta invertido: típico destas ribeiras da Serra da Estrela, em vez de uma fonte única, existe uma zona de escorrência. Ora “a fonte” é, neste caso, o Covão do Teixo, uma enorme zona planáltica que funciona como um imenso alguidar recolhendo a água da chuva e da neve.




Plano de Arborização dos Baldios da Aldeia do Carvalho, 1965.

Outras arborizações privadas se terão seguido a cotas mais baixas, sobretudo de pinheiro bravo (Pinus pinaster). No final do séc. XX, contudo, fogos sucessivos reduziram substancialmente a área de pinhal, tendo-se assistido, também em resultado do abandono agrícola, a uma franca recuperação dos bosques de carvalho negral (Quercus pyrenaica) nos 2/3 mais baixos da Ribeira.
Em apenas 5km de extensão, a Ribeira de São Domingos cobre um território entre os 1400m e os 570m: esta variação abrupta em altitude, conjugada com a diferença em exposição solar em ambas as vertentes de um vale encaixado, e a variabilidade de usos do solo presentes e passados, tudo se conjuga para criar um grande número de habitats que alberga uma quantidade de espécies invulgarmente elevada. O Vale inclui três andares bioclimáticos: supratemperado superior, supratemperado inferior e mesomediterrânico. Encontra-se em curso o levantamento florístico de todo o Vale.